STJ mantém condenação da FIFA por violação de boa-fé pré-contratual em disputa sobre spray de barreira
A recente decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no caso envolvendo a FIFA e a empresa brasileira Spuni Comércio de Produtos Esportivos e Marketing Ltda reforça um importante precedente para o direito contratual e de propriedade intelectual no Brasil: a responsabilidade pela quebra da boa-fé objetiva durante tratativas negociais, mesmo sem a assinatura formal de contrato.
O caso
A disputa gira em torno do "spray de barreira" — produto evanescente usado para marcar a distância regulamentar em cobranças de falta no futebol. A Spuni, empresa brasileira, alega ser a desenvolvedora do produto e que, após tratativas frustradas com a FIFA, a entidade máxima do futebol passou a utilizar o spray em competições internacionais sem a devida formalização de contrato ou pagamento de licenciamento.
O STJ, em decisões anteriores, já havia reconhecido que a FIFA violou o princípio da boa-fé objetiva ao negociar com a Spuni e, posteriormente, se apropriar da tecnologia desenvolvida pela empresa. A atuação da FIFA foi considerada abusiva, comprometendo a confiança legítima depositada pela empresa brasileira e causando prejuízos à sua atuação no mercado.
Agora, o STJ negou seguimento a mais um recurso da FIFA, que buscava levar a discussão ao Supremo Tribunal Federal (STF) sob a alegação de violação de preceitos constitucionais. Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, vice-presidente do STJ, não há matéria constitucional direta a ser discutida, consolidando assim o entendimento da Corte.
Análise: a força da boa-fé pré-contratual
A decisão reforça a importância da boa-fé não apenas na execução dos contratos, mas também na fase pré-contratual. Mesmo antes da assinatura de um instrumento formal, as partes têm o dever de agir com lealdade, transparência e respeito à confiança legítima criada nas tratativas.
Quando uma parte se aproveita da relação de negociação para extrair informações, técnicas ou produtos e depois utiliza essas vantagens de forma autônoma, sem formalizar contrato ou compensar a outra parte, ocorre a violação da boa-fé objetiva — como reconhecido pelo STJ no caso.
Esse precedente fortalece a proteção de inventores, startups e pequenas empresas que, muitas vezes, se veem obrigadas a expor seus projetos a grandes organizações durante negociações comerciais. A decisão sinaliza que a ausência de contrato formal não isenta a parte que age de forma desleal de responsabilidade jurídica.
Reflexos para a propriedade intelectual e inovação
Embora a disputa envolva também alegações de violação de patente, o principal foco do julgamento foi a quebra da boa-fé nas negociações. Isso amplia o entendimento sobre a proteção dos criadores no Brasil, demonstrando que a confiança nas relações de mercado também é juridicamente tutelada.
Para empresas inovadoras, o caso enfatiza a necessidade de cuidados adicionais, como a formalização de acordos de confidencialidade (NDAs) antes de iniciar negociações, registro adequado de propriedade intelectual e documentação de todas as tratativas.
Conclusão
A decisão do STJ contra a FIFA não apenas reconhece a violação dos direitos da Spuni, como também reforça princípios fundamentais que regem a boa-fé e a proteção da inovação no ambiente de negócios. Trata-se de uma vitória importante para a segurança jurídica de empreendedores e inventores brasileiros diante de grandes organizações globais.
A jurisprudência avança, mostrando que, no Brasil, confiança e inovação devem caminhar lado a lado — e que o descumprimento da boa-fé pré-contratual gera, sim, consequências jurídicas sérias.
Fonte: O Globo